Tuesday, April 03, 2007
É esta a proposta que temos para fazer brilhar a 6° edição do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, que há meia dúzia de anos se vem afirmando como um dos relevantes eventos do calendário cinematográfico nacional. Uma mostra de cinema alternativo que reflecte a diversidade de energias renovadoras e uma manifestação de vitalidade que instiga a cidade para o respeito e o fascínio pelo mistério das diferenças.
Este ano o olhar é de dentro para fora, uma forma de iniciação na procura de forças interiores que ensinem a entender e a actuar sobre o exterior. Talvez um dos grandes problemas da nossa sociedade seja o crescente número de pessoas instruídas de alma negligenciada. Mentes e corpos que permanecem na penumbra das ideias por falta de oportunidade e de abertura. Não é já uma questão política mas humana.
A atitude tem de começar em nós, de dentro para fora da própria comunidade. É tempo de o Festival se abrir em busca da sua luz sem esperar que o foco sobre si incida. Este ano as temáticas com que nos identificamos assumem uma perspectiva mais profunda e reflexiva: a urgência de educar para conceitos tão nobres como a cidadania, o respeito, a tolerância e a liberdade. As recentes mudanças políticas no mundo, a apatia e o desprezo face aos fenómenos da pobreza e da exclusão, o fundamentalismo levado às instâncias do terror, o surpreendente crescimento na Europa dos partidos de extrema-direita com os seus discursos de ódio e discriminação, o sofrimento da espera por uma cura que apague as marcas de um virulento HIV em toda uma geração, são mazelas actuais que nos deixam inquietos.
Pareceu-nos pois oportuno alterar o tema do Festival, cujo plano de actividades para 2002 anunciava um olhar sobre a cultura do Fetiche, e aproximar a nossa contribuição a esta preocupante realidade com a apresentação de filmes que eduquem e tragam sentido às questões do coração.
Há seis anos como director deste evento, pretendo acima de tudo oferecer uma criteriosa selecção de 73 filmes que no seu conjunto falem por si mesmas. Concebi este programa para servir dois objectivos:
1. Mostrar cada obra, na sua totalidade e grandeza, pelo mérito e beleza que evocam, agrupando-as por temas que propõem uma relação de ideias.
2. Usar esta relação para explorar os conceitos de Educação e Cidadania na leitura que fazemos do mundo. Para que a aprendizagem nos obrigue a repensar esta coisa dos afectos.
Assim cabem nesta montra formas outras de lutar contra a obscuridade por esse lugar ao sol.
Na sua incursão pelas favelas, Monika Treut revela um Brasil descrente na defesa e integração das crianças de rua que o Projeto Uerê da activista Yvonne Bezerra de MelIo insiste em proteger da indiferença humana. É um filme inspirador e um testemunho surpreendente sobre uma verdadeira ‘Warrior of Light’, que marca de forma simbólica esta abertura para as questões sociais com as quais o Festival não podia deixar de estabelecer um paralelismo e uma proximidade muito fortes.
Outro exemplo que se impõe como um excelente objecto didáctico é o documentário Oliver Button is a Star de John Scagliatti, baseado no clássico de literatura infantil “Oliver Button is a Sissy” assinada por Tamie dePaola, que se traduz num belíssimo exercício de olhar sobre a saciedade contemporânea através da educação das crianças para a cidadania. O espectro da doença e a alienação em redor do HIV SIDA está também presente na forma intimista de tratar sentimentos, diluídas na abordagem directa ou subtil de filmes como Le Fate Ignoranti de Ferzan Ozpetek, Ma Vie en Plus de Brian Tilley e o brilhante Song From an Angel de David Weissman.
As Noites Transgender e os ciclos paralelos da FNAC e do Cinema Alemão abrem a leque das propostas Gay e Straight que vêm sendo uma tradição de sucesso ao longo das várias edições. Este ano as películas foram escolhidas entre os títulos mais recentes da produção cinematográfica internacional e grande parte delas concorre à atribuição de um prémio de público para as melhores curta, longa-metragem, e documentário.
Uma palavra ainda sobre a organização e realização deste certame. A conjuntura económica e as mudanças políticas que o país atravessa determinaram alguns sacrifícios orçamentais que se ficaram a dever ao emagrecimento dos subsídios atribuídos. Tal situação obrigou a alguns cortes que se reflectiram na ausência de legendas em português nos filmes exibidos, o que lamentamos profundamente, excepção feita à Cinemateca Portuguesa que inexcedivelmente nos garantiu a legendagem da maioria das suas sessões.
Apesar das restrições, mais uma vez a Câmara Municipal de Lisboa contribuiu e apoiou a realização deste evento, pelo que lhe devemos desde já o nosso sentido agradecimento. Ao ICAM que tem mantido o subsídio que todos os anos nos atribui para ajuda na pagamento dos direitos de exibição dos filmes, à Cinemateca que nos tem acompanhado nesta aventura de acreditar num cinema diferente, à FNAC que pela sua postura de incentiva à cultura aderiu incansavelmente a este projecto, ao Goethe lnstitut, que nos vem acarinhando sempre com o mesmo entusiasmo, e ao Cine-Paraíso que este ano gentilmente nos cede uma nova sala de espectáculos, reconhecemos com estima e gratidão o esforço empreendido.
Os agradecimentos estendem-se ainda à Embaixada de Espanha, ao Instituto Cervantes, ao Instituto Franco-Português, à ATL (Associação de Turismo de Lisboa), à Lusomundo, à Lufthansa, à Beta Films, ao OCV (O Circo a Vapor), à Saga Viagens que promove o prémio de público, e ainda aos muitos voluntários que mais uma vez se disponibilizaram contribuindo decisivamente para o sucesso deste evento. Muito obrigado.
Espero que este Festival, e o programa aqui proposto, seja um passo em frente contra o preconceito, a indiferença, o desalento e a apatia. E que de alguma maneira a alma possa sair do seu esconderijo para que todos nós, amantes do cinema, na acepção mais profunda do termo, nos eduquemos a apreciar a diversidade e as causas nobres que ainda nos fazem sonhar.
Celso Júnior
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