Tuesday, April 03, 2007

Texto de Abertura do 8° Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa


Já vivia há muito em Portugal quando, na minha última viagem ao Brasil, em conversa com a minha mãe, tive a sensação de ter vivido um daqueles momentos da vida em que descobrimos algo que sabemos ter como um conceito claro e lógico mas que até então nunca se evidenciou com tanta nitidez.
Disse-me ela: "Filho, eu já não me permito ir deitar a pensar e preocupar-me contigo, como você estaria, com quem estaria....isto, não por te amar menos, mas por ter a consciência que te fiz para o mundo e não para mim. Se você está longe é por sua opção, e acredito que está feliz com as suas escolhas, está vivendo a sua vida, os seus sonhos... e o meu amor de mãe não pode ser egoísta a querer-te junto a mim."
Ninguém, a menos que tenha experimentado um momento semelhante, poderá avaliar a sensação de liberdade e certeza do quanto se é amado ao escutar algo semelhante. Foi tão marcante este fragmento da minha vida que não poderia deixar de seguir o seu exemplo e dar pernas aos meus próprios "filhos" para caminhar livremente rumo ao futuro e ao seu destino. Sinto o FCGLL como este filho de que falo; criei-o em 1997 e desde então estive em todos os seus momentos, os bons e os maus.
Ao longo destes oito anos tive o Festival incorporado na minha vida, abdiquei de coisas essenciais para que este evento florescesse, e ele floresceu. Floresceu enquanto pôde existir num meio favorável, mesmo se no presente, e desde 2002, apenas sobrevive dignamente com dificuldades num meio embrutecido pela homofobia e ignorância, numa sociedade hipócrita e deslumbrada (vendida) por uma postura palaciana, apanágio dos dirigentes políticos que se ocupam das nossas sortes desde então.
Sinto agora que a minha missão está cumprida e que deixo o Festival nas mãos competentes do seu próximo director, João Ferreira, e da nova direcção da Associação que o realiza. Partilhamos o mesmo sonho, os mesmos objectivos, a mesma perseverança, a mesma essência... mudará certamente o estilo.
A realização do Festival sempre teve como objectivo corresponder às expectativas da cidade de Lisboa, e foi para a cidade que o Festival existiu trazendo pessoas e filmes a quem a história do cinema e o movimento GLBT se encarregarão de fazer justiça. Parece-me chegada a hora de a cidade de Lisboa, fazendo justiça ao seu Festival, se encarregar de o manter.
Agradeço a todos os que apoiam o Festival, seja numa aposta recente ou numa união de longa data, e aos seus seguidores incondicionais. O Festival é feito para eles.
Divirtam-se sempre!
Celso Júnior
Director do FCGLL